top of page

Um pedaço de mim

  • Jessica Marzo
  • 17 de mai.
  • 2 min de leitura

O pai entra no quarto, deita na cama do pré-adolescente e chora a morte de um filho vivo. Lembrei da música “ Pedaço de Mim” de Chico Buarque.

 

“Oh, metade arrancada de mim

Leva o vulto teu

Que a saudade é o revés de um parto

A saudade é arrumar o quarto

Do filho que já morreu”

 

Neste caso a morte do filho é simbólica. A ideia de filho, concebida pelo pai, há treze anos se estilhaça abruptamente ao assistir o vídeo com as cenas do crime. Na sala do interrogatório, o menino chora de soluçar. Apesar das lágrimas, do desamparo e do pedido desesperado por socorro, o pai olha para o filho e não o reconhece. O menino toca no pai, precisa ser abraçado. O pai se afasta, repugna, não consegue, num primeiro momento, acolher o assassino. O menino chora profundo. Em algum lugar o pai enxerga novamente o filho e o abraça.

 

O que acontece quando as margens de alguém, que é um pedaço de você, se desfaz, se rompe em bruta matéria insensata? De repente, nos olhos do pai, o filho que se pendurava no trepa-trepa, se lambuzava de sorvete e gostava de desenhar foi condenado a um assassinato terrível. Para a família é o luto em vida. Como é possível, depois de assistir a cena do crime, olhar para o menino e enxergar a ideia de filho construída com ternura e afeto até aquele momento?

 

Meses depois do crime, num diálogo sincero e difícil, mãe e pai conversam sobre culpa. O que não vimos? Por que não vimos? E os sentimentos de afeto e rejeição são emaranhados de um jeito complexo de compreender.

 

(Mãe)Ele é genioso, como você

(Pai) Não vai me dizer que ele me puxou, vai?

(Mãe) Não.

(...)

(Pai) Não é culpa nossa

(Mãe) Mas ele é nosso filho, não é?

Silêncio. Choro

(...)

(Pai) Somos bons pais

(Mãe) A gente não sabia o que ele iria fazer

(Pai) Será que a gente devia ter feito mais?

(Mãe) Eu acho que seria bom aceitar que talvez devêssemos ter feito mais

 

 A filha de 18 anos, irmã mais velha do menino, entra no quarto do casal com doçura, força e acolhe os pais

 

(Pai) Como é que ela nasceu da gente?

(Mãe) Do mesmo jeito que ele

 

A série Adolescência é cheia de camadas e temas para refletir: o machismo, a auto radicalização nas redes sociais, o bullying, a exclusão, a omissão da escola, a falta de diálogo entre pais e filhos. Qual é o tamanho da complexidade de ser mãe e pai num caso como este? Um menino frágil e violento. Pais amorosos e desatentos. Uma escola omissa e acolhedora. Uma rede virtual interessante e perigosa. De quantas dualidades e incorrências somos feitos? Como é amar e educar um filho nos dias de hoje?




Comentarios


Se quiser falar comigo sobre qualquer coisa me manda um e-mail :)
jemarzo@hotmail.com

bottom of page