Quantas perdas cabem na vida de uma mulher?

Depois de ninar minha filha no meio da madrugada, sento no sofá e olho pra fora. Todas as janelas dormem, mas tem uma acordada. Penso que ali pode morar a mãe do Lucas. O menino que nunca conheceu o pai. Quantos segredos guardam uma mulher? A mãe de Lucas, foi também muito amiga de Carla. Brigou com Deus quando experimentou a perda. Fez as pazes quando encontrou com o Vento. Essa é a menina-mulher do livro de Aline Bei, que não sei o nome e em nada tem a ver comigo. Talvez só a solidão que compartilhamos das janelas acordadas enquanto o mundo dorme. Mas pensando bem, eu também tenho uma melhor amiga chamada Carla.

Ela me fez companhia nas últimas duas semanas. Sua vida todinha passou breve e intensa pelos meus olhos, boca, coração. Suas perdas ocuparam meu corpo. Seu silêncio entalou na minha garganta.

“é um menino. – o médico disse

e colocou o bebê

no meu colo.

eu estava chorando

de cansaço,

olhei praquela criança

também chorosa, ela que

não faz ideia

do que é no mundo nascer um menino,

alguém precisa contar

(…).

a enfermaria pega ele de volta

todo mundo está sorrindo

e eu precisando contar

pro menino

tanta coisa

a maioria triste.

o ser humano, filho, matou um alce

e também a África.

também a Amazônia. também o boto

cor de rosa, também o Rio.

quando um bebê nasce

é preciso contar devagar pra ele

sobre a terra

o futuro

espera numa concha.”

(O peso do pássaro morto" - Aline Bei)