top of page

Esquerdomachos e o pacto da zona oeste

  • Jessica Marzo
  • 7 de fev.
  • 3 min de leitura

Vanessa Barbara relatou num podcast a história de um casamento abusivo. Contou sobre mentiras, traições, abuso de poder, e das cicatrizes profundas que essa relação deixou. Explicitou seu incomodo com a cumplicidade dos amigos do marido, que também eram amigos dela. Por meio de um grupo de e-mail, quinze homens apoiaram, encobriram ou foram coniventes com as mentiras e manipulação do marido.


Até aí, nada de novo. A surpresa (e talvez só para mim) é que os homens envolvidos são “aliados”, escritores, jornalistas, donos de editoras que refletem e ajudam a publicar títulos sobre os perigos do machismo. Gente que provavelmente se considera feminista, ou “em desconstrução”.


O relato do podcast repercutiu, e apesar dos nomes não terem sido revelados, pois diz respeito a pessoas influentes que dominam o mercado editorial e intelectual, a lista dos 15 vazou e alguns envolvidos manifestaram-se. De forma protocolar, assumiram a participação na lista de e-mails, reconheceram o machismo, se solidarizaram com a dor da vítima, desculparam-se timidamente, e focaram esforços em justificativas para livrar a cara. Milly Lacombe, das poucas escritoras que por enquanto, se posicionou escreveu o seguinte:


“ Parem. Reflitam. Busquem um lugar de honestidade dentro de cada um de vocês para compreender o que já fizeram, com quais grupos misóginos já compactuaram e por quê. Qualquer investigação honesta feita por homens com mais de 30 anos vai levar a um lugar de alguma dolorosa reflexão em relação a comportamentos prévios direcionados a mulheres.’


Esperei textões das minhas escritoras e escritores preferidos, que vestem a camiseta do “leia mulheres”. Silêncio. Pessoas influentes, com seguidores, coluna na folha, uol, que se colocam como porta vozes das pautas feministas estão em silêncio. Na verdade, não totalmente, reparei que apoiam as justificativas dos homens envolvidos. Na página da Vanessa Barbara, com raras exceções, não vi apoio de nenhum deles e delas. Nada.

Bianca Santana fez uma carta linda na folha de SP para a Vanessa. Ambas são da zona norte de São Paulo, e Vanessa enfatiza isso em seu relato para o podcast. O que me fez pensar no Pacto da Branquitude, nos privilégios. O interesse pessoal sobreposto ao coletivo. Sim, talvez o “pacto da zona oeste de SP” seja o motivo do silêncio.


Os homens têm um pacto entre eles. A zona oeste de SP, a zona sul do Rio, os ex-alunos e alunas de colégios de elite também pactuam, se abraçam e se beijam, mesmo quando um relato desses vem à tona. A ideia do pacto, é que as estruturas de poder, das quais os pactuantes fazem parte, não seja abalada. É cômodo gritar pelos direitos das mulheres, quando eles não esbarram no privilégio de circular livremente pela patota.


E como não quero ser agressiva, nem punitivista eu fecho meu texto, com a Bianca, que escreve de forma muito mais amorosa:


“Aprendi com Silvia Chiarelli, uma grande educadora, que você não precisa ser aquilo que fez. Mas para não ser misógino, você precisa ouvir, pensar, compreender, se responsabilizar, se desculpar, reparar (não me pergunte como) e, principalmente, não repetir. A náusea e o suor nas mãos ao ouvir e ao escrever indicam como a cicatriz de Vanessa Barbara é minha e é funda. E o lugar de poder que homens abusivos ocupam –mesmo aqueles muito legais– sustenta a pirâmide que joga mulheres, pessoas negras e trans para baixo. O individual é também coletivo e social. A estrutura e o comportamento –já nos ensinaram Focault e Sueli Carneiro– conformam as relações de poder. Somos todas e todos parte dessa meleca e precisamos olhar para ela.”




Comments


Se quiser falar comigo sobre qualquer coisa me manda um e-mail :)
jemarzo@hotmail.com

bottom of page