Deusas não morrem
- Jessica Marzo
- 21 de jan. de 2022
- 2 min de leitura
Atualizado: 26 de jan. de 2022
Elza Soares faleceu aos 91 em sua casa. Meus olhos custam a entender as palavras escritas na tela do computador. Elza disse que vai cantar até o fim do mundo. Será que estamos no fim do mundo? Do jeito que andam as coisas, parece que sim. Liguei o som, pra entender se ainda estava viva. Senti Elza atravessar todo meu corpo, sua voz rouca, potente, vívida me dizendo que não vai sucumbir. Percebi que ainda não era o fim do mundo
Na primeira aparição pública, num programa de calouro, Elza era muito jovem, pobre, já era mãe e pesava 35kg. Subiu no palco num vestido todo ajustado com alfinete, com a sandália “mamãe tô na merda” e duas marias-chiquinhas. De imediato, risos na plateia. Sua presença foi impactante.
- De que planeta você veio? Perguntou o apresentador.
- Do mesmo planeta que você – respondeu Elza com lágrimas no rosto.
- E que planeta é esse? – questionou o homem.
- O planeta da fome – Elza encerrou a conversa e cantou.
E nunca mais parou de cantar. Planeta Fome é seu último álbum lançado, em 2019. Do jeito que começou, ela se despede da vida. Sua voz atravessou a pobreza, o racismo, o machismo, o exilio. Tem todo um Brasil na sua voz, com todas as suas contradições e complexidades.
“Brasis
Tem um que faz amor
E outro que mata”
“Quero ver nosso povo de cabeça em pé”
Mulher apaixonada, critica e conhecedora do nosso país. Uma artista revolucionária, criadora, criativa, molhada, ousada, inovadora, linda, sexy, desobediente, sensível. “O seu país, é seu lugar de fala. Sua voz, usa pra dizer o que se cala”. Ela nunca se calou, sua voz está viva, pulsante e a força de seu timbre e suas ideias são capazes de chegar até depois do fim do mundo.
Deus é mulher. Elza agora é deusa.

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