Com quem e como ficam nossas crianças na pandemia
- Jessica Marzo
- 1 de set. de 2020
- 3 min de leitura
Atualizado: 17 de nov. de 2020
E a escola abre ou não abre? Mães e pais enlouquecidos trabalhando de casa com seus filhos na TV, tablets, celulares suplicando por atenção. Mães e pais trabalhando fora de casa e seus filhos com vizinhos, irmãos mais velhos, sozinhos, largados (em muitos casos, correndo riscos). Mães ou pais sem poder voltar a trabalhar porque não tem com quem deixar seus filhos.
No Brasil morrem mais de mil pessoas por dia por causa do vírus. Estudos apontam que a transmissão da Covid-19 de crianças para adultos pode não ter papel significativo. Outros estudos concluem que crianças podem ser mais contagiosas do que os adultos. O fato é que não existe informações precisas sobre a transmissão das crianças e talvez essa certeza demore mais do que a vacina. Enquanto isso nossas crianças passam quase um ano de sua infância esperando, esperando, esperando. Ou diante da TV, ou abandonadas, ou as poucas que tem muita sorte, ou privilégio com seus pais ou mães presentes.
Um ano de espera não é muito para uma vida toda, mas para a infância, que dura até os 12 anos, pode ser, ainda mais quando pensamos que é dos 0 aos 5 anos que o cérebro humano realiza os maiores números de sinapses. As sinapses funcionam como pontes entre neurônios, permitem a troca de sinais entre eles. Até os três primeiros anos de vida têm-se, em média, a formação de 600 a 800 sinapses por segundo. No caso dos adultos, as sinapses já existem, estão interagindo entre si, e não são mais formadas, ou são formadas em pequena quantidade. Há uma oportunidade preciosa para o desenvolvimento das sinapses na infância. Se não houver carinho, afeto e atenção da mãe/pai —ou de quem cuida da criança nessa fase de vida— será muito mais difícil criar essas sinapses no cérebro depois, na adolescência ou na fase adulta.
Esperar um ano para o retorno à escola, e abandonadas em casa, pode ter grande impacto para as nossas crianças, principalmente para as pequenas. A escola vai muito além da preocupação curricular. É no ambiente escolar que as relações vivas e complexas se constroem. E também onde se dá a primeira experiência da criança como participante de um grupo de iguais. “Uma criança tem necessidades de outras crianças para vacinar-se contra a agressividade da vida em comunidade e para estruturar-se” (Françoise Dolto)
Mas não podemos descartar a situação do mundo: a pandemia, o contágio do vírus, o medo, o risco. Como muito bem pontou o escritor Julian Fuks. "É escandaloso reabrir shoppings, bares, parques e manter fechadas as escolas. Se julgamos a educação essencial, temos que equipará-la a outras atividades urgentes, e exigir o financiamento das adaptações necessárias, e demandar que professores e funcionários sejam tratados com o cuidado máximo."
Uma foto de uma escola na Tailândia adaptada a nova realidade da pandemia me deixou extremamente incomodada. Crianças isoladas em cubos, brincando solitariamente. Para o sistema voltar a funcionar jogamos nossas crianças, que têm um potencial enorme de aprender e criar, em cubos, esperando seus pais voltarem de seus trabalhos, afinal elas não podem atrapalhar o sistema produtivo.

Reproduzimos um sistema que não cuida de nossas crianças, que não as considera como parte potente da sociedade. Pais e mães suplicam pelo retorno da escola para que possam voltar a trabalhar com tranquilidade. O grupo de risco está apavorado com a abertura das escolas. E as nossas crianças querem voltar à escola? Para que tipo de escolas elas querem voltar? Alguma instância está considerando as necessidades emocionais e de aprendizagem das crianças?
No mundo ideal, em meio a uma pandemia, deveria ser direito das crianças permanecerem em casa com seus pais. Não vi nenhuma discussão ou medida pelas empresas ou pelo poder publico que permitissem tal realidade, afinal essa é uma proposta absurda. Mas a imagem de crianças pequenas confinadas em cubos, aguardando seus pais retornarem do trabalho não parece absurda.
A volta à escola tem sim um risco de contágio e isso não é bom para um país que ainda registra mil mortes por dia, porém não podemos permitir que nossas crianças sejam confinadas em cubos como se fossem a materialidade do próprio vírus. A não abertura da escola também tem um risco emocional, de aprendizagem, interação e desenvolvimento que são irrecuperáveis em alguns casos, e um risco até de vida para as crianças abandonadas fisicamente.
Junto com a pandemia veio o estado de incerteza, imprevisibilidade, vulnerabilidade que escancarou fraquezas, defeitos, verdades, de um sistema duro com a infância e uma sociedade que reproduz absurdos, e, sem questionar, aceita o novo normal.
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