Meu ano em Portugal
- Jessica Marzo
- 7 de fev.
- 2 min de leitura
É curioso que eu termine a leitura do livro “Os Anos” justamente quando completo um ano longe de casa. É curioso que eu diga “longe de casa”, ao invés de dizer longe do Brasil. Eu to aqui e lá, sempre.
Deslizo o dedo no rolo da câmera de fotos do celular e penso nos últimos 365 dias. Em um mês guardei 40 anos numa mala, foi um período bonito e triste de despedidas. Subimos de chinelos no avião, nove horas depois, descemos de gorro e luvas. Cheguei com os outdoors tomados por propagandas políticas. Ano de eleição. Escutava o rádio tentando decifrar a situação, não ajudava, pois eles falam português e eu brasileiro.
Aqui as águas de março fecham o inverno. Um alívio, pois frio e chuva não seca roupa no varal. As temperaturas sobem. Os outdoors políticos foram substituídos por anúncios dos shows de verão. A brasileirada tomando conta dos palcos, coisa bonita de ver.
Quando as crianças finalmente se adaptaram à escola, o ano letivo acabou. Nossos calendários ainda não estão sincronizados. Na apresentação da escola, assisto meninos e meninas vestidas de flores. É junho, eu morro de saudades das festas juninas. Enquanto eu estiver longe, meu coração vai sempre apertar quando ouvir Luiz Gonzaga.
Agosto nunca me pareceu muito simpático. “O mês do cachorro louco” eu ouvia quando era criança. Aqui é um mês extremamente celebrado. Praia, shows, gringos por toda a parte. Nem o sol quer se despedir, cheguei a ver ele se pôr as 21h30. Os dias são longos e preenchidos, o que cansa depois de um tempo. Quando recebi o e-mail c/ a data de volta as aulas fiquei aliviada. Os mercados lotados de cadernos, mochilas. Um dossiêr, 10 micas, 1 afia... Eu quase não consegui fazer a compra da lista de material escolar, porque como mencionei eu falo brasileiro.
Vejo o posto de salva-vidas da praia ser desmontado. As propagandas já estão em clima de Natal e nem acabou outubro. Sentimos a pressão de caminhar para o fim do ano. É tempo de tirar casacos e cobertas das embalagens a vácuo. É tudo igual, mas ao contrário. É o avesso do avesso do avesso diria Caetano.
"A memória nunca se interrompe. Ela equipara mortos e vivos, pessoas reais e imaginárias, sonho e história" Annie Ernaux

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