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Família Doriana

  • Jessica Marzo
  • 22 de out. de 2021
  • 2 min de leitura

- Se não enlouquecermos, nós já vencemos como família - disse meu marido depois de mais um jantar regado a choro, reclamações e comidas no chão.


Antes de casar e ter filhos imaginamos a seguinte vida em família: piquenique no parque, um cochilo agarradinho, uma divertida guerra de travesseiros. Sim, essas cenas até são reais, mas creio que representam 20% de um dia, os outros 80% são divididos entre as funções realizadas sem nenhum tipo de emoção e a outra metade preenchida de conflitos, disputas e insatisfações.


Dentro do nosso lar, diante das birras, pedidos deslocados, o cansaço, frustrações, falta de espaço, dinheiro, colocamos nossos demônios para fora. Como sabiamente escreveu Caetano Veloso na música Vaca Profana, “de perto ninguém é normal”. Eu acho que até Buda gritaria de raiva depois de separar sete brigas entre irmãos. Pessoas diferentes, cada uma com seus desejos, expectativas e traumas, convivendo intimamente, expondo toda a sua vulnerabilidade. Não tem como ser tranquilo.


E fica ainda mais difícil porque idealizamos um modelo de família, reforçado pelas imagens em revistas, propagandas e redes sociais. Li no livro Suíte Tóquio que “Não há nada mais distante da vida do que a idealização da vida” . Antônio Prata também me disse, numa crônica, que nós inflacionamos a felicidade, nenhuma felicidade real chega aos pés dessa que criamos. A única possível, é a promessa de felicidade.


Temos que desromantizar a maternidade, a parentalidade, o casamento, o amor, o trabalho, o sucesso. Assumir a vida ordinária. Nossa varanda gourmet, nosso quintalzinho cool nada mais é do que a Casa Verde de Machado de Assis, o manicômio onde o alienista internou metade da população por desvio de personalidade. Eu olho para cada janelinha, para cada muro, para cada portão e penso: ali dentro ninguém é normal. Tem briga em alto tom, tem briga fina, briga baixaria, tem até briga silenciosa. Claro que existe uma pequena dose de amor, equilíbrio, felicidade, cenas fotografadas e eternizadas. Todo o resto é treta.



Ilustração: Pascal Campion


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