Essepê, com todo defeito te carrego no peito
- Jessica Marzo
- 7 de fev.
- 2 min de leitura
Voltei a São Paulo. Nunca havia ficado tanto tempo longe da dura poesia concreta de tuas esquinas. 10 meses parece pouco. E é. Não deu tempo de sentir saudades. Na chegada aquele estranhamento familiar com o tamanho dos prédios, arranhando o céu escuro carente de estrelas. No farol vermelho, o corpo em estado de alerta. O olhar que aprende a virar quase 360 graus. Fileiras de luzes vermelhas a frente. Um estado de tensão constante, que só cessa ao dormir.
Acordei todos os dias com o canto dos passarinhos. Primeiros os animais miúdos, a voar e a pousar nessa paisagem desprovida de verde. Como é possível? Depois a britadeira. O barulho da construção por toda a parte. Pela janela gradeada, o ar chega denso, a vista busca longe e só encontra medianeiras
Numa das longas travessias que fiz na cidade, caí no Minhocão. Meus olhos grudados na janela do carro, deslumbrados com o que desacostumei a ver. Motos, ambulância, em cima de um viaduto contornado por prédios grafitados, narradores de histórias. E aqui e só aqui, desejei que o trânsito parasse. É claro que parou, não porque eu tenho fé, mas porque é habitual. Um museu pulsante e caótico a céu aberto.
E então, me lembrei das ruas entediantes que passo todos os dias na pacata cidade que eu vivo hoje. Lá, atravesso por dois grafites toscos em homenagem a navegantes portugueses em um prediozinho cansado de existir. O que me faz pensar, como estamos a frente, em alguns assuntos, dos colonizadores.
Em SP fiz churrasco, me embriaguei de bom samba, comi pizza, e tomei caldo de cana. Reencontrei, com esforço, alguns amigos queridos. Porque num lugar deste tamanho, abraçar é uma conquista, exige atravessar distâncias imensas, driblar o medo de um assalto, desviar de enchentes, e competir com outros mil eventos incríveis que a cidade oferece.
Na semana de despedida, acompanhei, já em Portugal, as notícias de um assassinato no aeroporto de Guarulhos de um homem ligado ao PCC. “ com a graça das deusas já fui embora, fica pra próxima” respondo no zap, pra uma amiga que não consegui encontrar.
Chego em meu sonho feliz de cidade. Recebo um e-mail da escola das crianças. Preciso comprar 12 castanhas pra festa de São Martinho. Pergunto pro moço do mercado que tipo de castanhas são essas. Ele me ajuda e acha graça da minha ignorância.
Desarrumo as malas. Caminho pelas ruas limpas até a praia. Ali, o horizonte se oferece, amplo e sereno. Fecho os olhos, contemplo a luz solar bater em meu rosto. Respiro profundo. São Paulo não saí da minha cabeça. “ São, São Paulo, quanta dor, meu amor (...) com todo defeito te carrego no meu peito” cantou Tom Zé baixinho em meu ouvido.

Ilustração: Lobo
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