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Desmame

  • Jessica Marzo
  • 23 de nov. de 2020
  • 1 min de leitura

Atualizado: 24 de nov. de 2020

Amamentando virei bicho, fêmea, produtora de leite. Fui dona das divinas tetas que sem pudor apareciam em praça publica. Entreguei-me ao tempo do corpo, ao tempo selvagem, ao tempo da vida primitiva. Amamentando acolhi tristezas, curei doença, embalei sonhos.

Meu corpo foi morada, portal, alimento. Por cinco anos foi extensão das minhas crias. Emprestei meu corpo a elas para que povoassem com suas fraquezas e verdades e aqui dentro choveu tempestade, refletiu espelho d’água. Crescemos.

Hoje minha filha mais nova desmamou. Meu corpo, agora liberto, volta a ser só meu. Corpo livre para que? Que corpo é esse que recebo de volta? Um corpo largo, flácido, rasgado, com cicatrizes. Aceito e honro. Um corpo histórico, resistente, afetuoso.

Cada despedida gera um encontro e agora atravessaremos o mundo com as tetas cobertas. Dou adeus ao sagrado e minha filha ao seu esconderijo. Com coragem ela seguirá seu caminho. E eu, devagarinho, vou me reconhecendo. Aprendendo a habitar sozinha o meu corpo nascente, um rio potente.



Ilustração: Barbra Ignatiev

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